Ser "plantinha" de São Francisco não é para Santa Clara uma simples fala com demonstração de afetividade e submissão ou algo meramente subjetivo, é para evidenciar um vínculo de paternidade; é o modo como ela explicita e até mesmo reivindica o reconhecimento de sua filiação franciscana, da vivência autêntica do carisma, pois 'muda' era a palavra usada (na Idade Média) para designar um mosteiro fundado por outro.
Já no início da sua Forma de Vida (Regra) Clara torna evidente que sua escolha se deu no seguimento do Pobrezinho de Assis, motivada e acolhida por ele: "A forma de vida da Ordem das Irmãs Pobres, que o bem-aventurado Francisco instituiu, é esta: Observar o santo evangelho de nosso senhor Jesus Cristo, vivendo em obediência, sem nada de próprio e em castidade" (RgCl).
E também reconhece, com profunda humildade, que sua família religiosa é subordinada diretamente a de São Francisco, sendo parte dela, tendo-o como pai da mesma, pois foi gerada pela mesma inspiração que ele recebeu. "E, como no princípio de sua conversão, juntamente com suas Irmãs, prometeu obediência ao bem-aventurado Francisco, assim promete guardá-la inviolavelmente para com seus sucessores" (RgCl).
Quando Clara usa o termo "plantinha" em seus escritos Francisco de Assis já fora declarado santo pela Igreja e sua Ordem enfrenta uma grande crise quanto às origens. Por isso Santa Clara firma em sua Forma de Vida (Regra) os fundamentos da sua espiritualidade: o amor a Jesus Crucificado, a pobreza (material e pessoal), a fraternidade e a contemplação; e torna sua família religiosa fiel depositária do carisma franciscano.
Também em seu Testamento torna isso bem evidente: "O Filho de Deus fez-se para nós caminho, que nosso beatíssimo pai Francisco, seu verdadeiro amante e imitador, nos mostrou e ensinou pela palavra e exemplo" (TestCl). Clara tem consciência da importância do seu chamado vocacional e do que ele representa no coração da Igreja, pois nenhuma ordem monástica (contemplativa) tinha uma Regra pautada na simplicidade evangélica e na fraternidade.
Essa novidade fundada por Francisco de Assis, que revolucionara sua vida, precisava ser cultivada e defendida de incompreensões e possíveis desvios. No escondimento da clausura não silencia passivamente, escreve cartas ao Papa quando necessita defender a Forma de Vida abraçada por ela e pelo Poverello, fazendo valer os princípios que nortearam sua escolha.
Na primeira biografia (Legenda) de São Francisco escrita pelo frei Tomás de Celano, em 1228, dois meses após a canonização do Santo, Clara, então com 32 anos de idade, é apresentada como uma mulher virtuosa e forte, que testemunha com uma vida de santidade sua decisão de total desprendimento do mundo no seguimento do Cristo revelado pelo Pobrezinho de Assis:
"Já tinha começado a existir a Ordem dos Frades quando essa senhora foi convertida para Deus pelos conselhos do santo homem, servindo assim de estímulo e modelo para muitas outras. Foi nobre de nascimento e muito mais pela graça; virgem no corpo e puríssima no coração; jovem em idade, mas amadurecida no espírito. Firme na decisão e ardentíssima no amor de Deus.
Rica em sabedoria, sobressaiu pela humildade. Foi Clara de nome, mais clara por sua vida e claríssima em suas virtudes" (1Cel 18). Quando Francisco deixa esse mundo, a fama de santidade da abadessa de São Damião já havia cruzado as fronteiras de Assis, sendo do conhecimento de muitos os milagres alcançados com sua bênção ou sua intercessão, confirmando em sua vida a boa vivência do carisma franciscano.
Atualizada em 24/10/2024.
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