Detalhe do crucifixo de São Damião (Assis /Itália)
Em seus escritos, especialmente nas cartas, Clara revela todo seu amor a Jesus, evidenciando-O como esposo "da mais nobre estirpe", pobre e crucificado, insuperável no poder e na bondade. Alguém de quem se recebe tudo - dádivas (salvação eterna, vocação, ...) e bênçãos cuja retribuição torna-se algo natural, uma vez reconhecida a própria miséria.
Na sua doutrina
espiritual de esposa de Cristo, Santa Clara fundamenta sua entrega a Ele na
vivência da virgindade, mas a pureza que exalta vai além da castidade corporal, é um dar-se inteiramente, sem impôr limites, que tem início do interior para o exterior.
É dar um espaço sempre maior a Deus dentro de si mesma, de tal forma que a pertença transpareça visivelmente no modo de pensar e de agir, uma perfeita conformação com o Amado, que transborda nas atitudes e se revela mesmo nas pequenezas do cotidiano.
Experiente na vivência desse amor transcendente, construída no dia a dia, a Santa fala do que vive, daquilo que é sua prática, pois observa o Evangelho com filial amor e abediência; assim escreve a Santa à Inês de Praga:
"Amando-o, sois casta; tocando-o tornar-vos-ei mais limpa; acolhendo-o, sois virgem. Seu poder é mais forte, sua generosidade mais elevada, seu aspecto mais belo, o amor mais suave, e toda a graça mais elegante" (1CtIn).
Na proximidade com o Ressuscitado Clara motiva Inês, que trocou o matrimônio com o imperador pelo seguimento de Cristo como Irmã Pobre, a se deixar transformar pelo Amado, sem temer os custos de tal entrega, pois são despojamentos, num combate muitas vezes exigente.
Embora seja uma perda que redunda em lucro, não só no tempo mas principalmente na eternidade, é algo que exige perseverança e vigilância, pois é um contínuo exercício de humildade, que contraria as inclinações naturais, dadas ao cultivo do amor próprio.
"Deixe de lado tudo que neste mundo falaz e perturbador prende seus cegos amantes e ame totalmente o que se entregou inteiro por seu amor, aquele cuja beleza o sol e a lua admiram, cujos prêmios são de preciosidade e grandeza sem fim. Falo do Filho da Altíssimo, que a Virgem deu à luz permanecendo virgem depois do parto" (3CtIn).
O amor reverente que Santa Clara demonstra por Francisco, e suas Irmãs, não lhe é um empecilho, pois é um vínculo que transcende os sentimentos naturais, e possibilita o encontro com o Cristo Crucificado-Ressuscitado, do qual cada ser humano é imagem e semelhança.
É exatamente este amor indiviso por Jesus que leva à vivência da mútua caridade, tornando livres os afetos e permitindo uma entrega amorosa desinteressada, capaz de doar-se sem limites, buscando o bem alheio, acima dos desejos egoístas.
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| Vista noturna do mosteiro de São Damião (Assis/Itália) |
A pobreza com o Amado é um constante despojar-se, um esvaziamento de si mesma para se enriquecer com Sua presença, ornar-se com os seus dons e assim "dilatar" o coração para acolher não só toda a humanidade, mas a criação inteira.
O encontro com Cristo leva à plena liberdade que move à vivência de um amor que transfigura e vence as fraquezas humanas, que nos santifica e nos coloca fora do centro de nossos interesses e vontades. Sendo reverentes ao outro, respeitando suas necesssidades.
Santa Clara nos convida a colocar-nos em contemplação, como diante de um espelho, num encontro profundo com Jesus, deixando-nos moldar por seus ensinamentos e seu modo de agir, e assim ter a graça de conforma-nos inteiramente a Ele, divinizando o nosso ser:
"Ponha a mente no espelho da eternidade, coloque a alma no esplendor da glória. Ponha o coração na figura da substância divina e transforme-se inteira, pela contemplação, na imagem da divindade" (3CtIn).
A vivência do verdadeiro amor não anula a pessoa, nem fere sua individualidade, mas exalta aquilo que tem de melhor. Na conformação com Cristo se ganha a liberdade de se viver como um ser humano em plenitude, e isso acentua a própria identidade.
Entra-se então na dinâmica do amor trinitário, na vivência da perfeita comunhão fraterna, onde reina a gratuidade e a mútua caridade. "Pois é claro que, pela graça de Deus, a mais digna das criaturas, a alma do homem fiel, é maior do que o céu" (3CtIn).
Atualizada em 13/10/2025
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