"Deixe de lado tudo que neste mundo falaz e perturbador prende seus cegos amantes e ame totalmente o que se entregou inteiro por seu amor, aquele cuja beleza o sol e a lua admiram, cujos prêmios são de preciosidade e grandeza sem fim. Falo do Filho do Altíssimo, que a Virgem deu à luz permanecendo virgem depois do parto" (3CtIn).
Mês de agosto, novenas e tríduos em honra de Santa Clara e cabe perguntar sobre a sua atualidade. Alguns até ousam questionar sobre a utilidade do carisma clariano para nosso milênio, quando as mulheres são desafiadas a ocupar lugares de destaque na sociedade, para se igualar (quando não ultrapassar) aos homens, num verdadeiro confronto de poderes.
Clara foi uma mulher a frente de seu tempo, não se enquadrou nos moldes propostos e enfrentou a resistência dos familiares (do sexo masculino), porque renunciou a um 'bom' matrimônio e também não buscou um cargo de autoridade religiosa em algum mosteiro, e foi protagonista na vivência da sua vocação num carisma inovador, onde a fraternidade entre as Irmãs estava acima da hierarquia de classes.
Como todas as mulheres da nobreza a filha de Ofredúcio fora educada para administrar o clã e preservar os seus bens, por isso tinha boa formação (seus escritos testemunham isso num latim em estilo refinado e poético), pois os longos períodos de ausência dos cavaleiros envolvidos em batalhas, suas convalescenças e a viuvez precoce era algo habitual.
Uma mulher nobre deveria estar sempre preparada para tornar-se 'o chefe da casa'. Saber lidar com os muitos servos, administrar com sabedoria as muitas propriedades da família, ser atenta e sábia para fazer bons negócios e aumentar a renda do seu clã. Mas ela fugiu. Clara era bem instruída e determinada, não uma mocinha rebelde que abria mão de tudo para satisfazer seus caprichos juvenis.
Seu processo de discernimento foi longo, de pelo menos seis anos (dos 12 aos 18 anos): do seu desejo crescente de servir a Cristo até a descoberta do carisma de Francisco, quando tudo começa a ganhar clareza para ela. Daí mais uns encontros pessoais com o Pobrezinho, nessa época já gozando de fama de santidade em Assis, e nasce a decisão resoluta de consagrar-se totalmente a Cristo.
Não foge por medo do mundo, dos seus desafios, Clara não ignora os sofrimentos e privações que sua nova condição social lhe trará, mas os acolhe com fé e coragem porque sabe que nela está o tesouro escondido (cf Mt 13,44), e será verdadeiramente feliz. Na pobreza e na humildade, como o Crucificado, vai amar e convidar a amar a Deus e ao próximo, aproximando com sua oração intercessora, e mortificações, a terra do Céu.
Jovem, mas não ingênua, Santa Clara conhece muito bem as agruras cotidianas da vida dos pobres; sem nada possuir, submetiam-se as exigências dos grandes proprietários, comiam se cultivassem a terra alheia, até nas vestes dependiam da benevolência dos seus senhores; os incapacitados para o trabalho eram privados de tudo e viviam na mendicância.
Boa conhecedora da ambição humana, do ter e poder sem limites, das batalhas sangrentas que beneficiavam poucos e aumentavam a miséria de muitos, Clara vai percebendo que tal riqueza fica limitada ao tempo, são conquistas e glórias efêmeras e que, na verdade, o único combate válido é o que constrói o Reino que não é deste mundo.
Ontem como hoje a jovem de Assis nos desafia a ver o cotidiano pelas lentes do Evangelho, a loucura da cruz que seduziu Francisco a tocou profundamente porque as disputas pelo poder econômico e político, os indigentes que batiam a porta de sua casa eram consequências visíveis das equivocadas opções humanas que ignoram o amor, o perdão e a efemeridade do tempo.
Santa Clara encontrou Jesus naqueles que nada tinham para dar a não ser a si mesmos; quis fazer-se uma como eles porque o Filho de Deus veio a este mundo pobre, sem propriedades, fazendo-se hóspede de corações solidários, louvando e bendizendo o Criador que tudo provê às suas criaturas amadas. E ela tudo deixa para ir ao encontro do seu Amado.
Do escondimento do claustro dos inúmeros mosteiros que conservam vivo o seu carisma Santa Clara continua hoje a alertar sobre a insensatez do século, com seus prazeres e valores voláteis, continua a chamar e desafiar (a todos) a viver com o necessário sem se deixar escravizar pelos bens que passam. Clara continua a repetir a mim e a você: "Desejo-lhe as alegrias da salvação" (3CtIn).
Atualizada em 11/02/2025.
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