Fachada atual da casa de Santa Clara e oratório que sinaliza local da fuga.
"(...) o Altíssimo Pai celestial, por sua misericórdia e graça, se dignou iluminar meu coração para fazer penitência, segundo o exemplo e ensino de nosso bem aventurado pai Francisco" (TestCl).
No ano de 1193, na cidade de Assis, na Itália, nasce Clara, a filha primogênita de Hortolana e Favarone de Ofredúcio, família de muitas posses, dona de grandes extensões de terra. Neste clã todos os homens são cavaleiros, num total de sete.
Na Idade Média, a cavalaria era um dos meios de acesso à nobreza, favorecendo o prestígio político, religioso e social. A Catedral de São Rufino, na praça de Assis, é construída no terreno que pertencia ao avô de Santa Clara, que o doou à cidade. E sua família reside ao redor dessa praça.
Desde cedo Clara recebe sólida formação católica da mãe Hortolana, que não lhe é infrutífera, pois logo passa a dedicar muito de seu tempo às orações, jejuns e ações caritativas para com os mais necessitados. Cedo fortalece e evidencia seu grande interesse pelo Evangelho.
Porém, para uma jovem pertencente à nobreza são dois os caminhos a seguir: um rico matrimônio, para aumentar ainda mais as posses da família, onde o interesse material costuma estar acima do afetivo ou tornar-se abadessa de um próspero mosteiro beneditino.
Ambos socialmente aceitos e desejados pelos grandes clãs medievais, embora em realidades distintas, estavam em evidência a honra do nome e o prestígio da instituição representada. Importando manter intocável o poder material e a posição social.
Clara tem consciência do impacto familiar e social de sua escolha vocacional, pois conhece os valores em que está alicerçada a sociedade da sua época, que faz uso dos contratos matrimoniais para aumento de poder e do patrimônio da família.
A total confiança na inspiração divina a leva a seguir fielmente os passos de Francisco, que determinado a "fazer penitência" (fazer a vontade do Pai), a convida a viver na alegria de servir e adorar o Cristo que se fez pobre na manjedoura, na vida oculta em Nazaré e na morte de cruz.
Convida-a a sair do século para servir unicamente ao Senhor do Tempo. "São Francisco, conhecendo a fama de sua santidade, foi visitá-la muitas vezes para lhe falar, e que a virgem Clara concordou com o que ele dizia, renunciou ao mundo e as coisas terrenas e foi servir a Deus o mais depressa que pode" (Irmã Beatriz de Favarone, irmã de Santa Clara - ProcC12Ts).
Clara escolhe a virgindade e a pobreza como via segura para ser toda Daquele que se deu inteiro por amor a humanidade. E doando-se inteiramente abre-se a uma total acolhida de todas as criaturas. Uma vida em comum onde não há distinção de pessoas, reconhecendo a paternidade de Deus sobre si e toda a criação.
"Ó bem-aventurada pobreza, que àqueles que a amam e abraçam concede as riquezas eternas. Ó santa pobreza, aos que a tem e desejam Deus prometeu o reino dos céus, e são concedidas sem dúvida alguma a glória eterna e a vida feliz!" (4ctIn).
Mais do que aprofundar a vivência cristã Clara se prepara para consagrar-se toda ao Grande Rei, ciente de que sua mudança de posição social (da nobreza para a condição de mendicante) lhe custará grandes renúncias e sacrifícios, e que não há outro meio para ser uma autêntica esposa de Cristo senão pelo despojamento.
O Filho de Deus escolheu a vida simples para confundir a sabedoria do mundo, e em 18 de março de 1212, Domingo de Ramos, Clara, filha da nobreza, foge durante à noite e abandona para sempre as riquezas, as vestes suntuosas e a fartura da mesa, também a possibilidade das peregrinações aos lugares santos, que gostava de fazer. Renuncia a tudo.
Coincidentemente Clara sai de casa usando a pequena passagem destinada a retirar os mortos do interior da residência, sai, simbolicamente, deixando para trás Clara de Favarone, morre para sua antiga vida, para seu padrão social. Será denominada "a cristã" por São Francisco.
Ao fugir Santa Clara entrega-se inteira, na pobreza e na solidão, Àquele que já desposara sua alma: Jesus Cristo. Despede-se do mundo secular para viver com alegria seu Kairós (tempo da graça).
O distanciamento da vida social, o isolamento quanto ao corpo lhe dá a liberdade para o recolhimento, uma vida intensa de oração e o exercício contínuo da caridade, primeiramente com suas Irmãs de comunidade e também com os demais.
As limitações humanas não se ausentam no convívio fraterno, pelo contrário, exigem um amor mais abnegado que renuncia a vontade própria pelo bem do outro e tornam mais necessária a virtude da humildade.
A comunhão de fé e esperanças não uniformiza as pessoas, cada um tem sua história de vida, seu temperamento e caráter, o que exige sempre um amor sublimado, voltado à penitência.
A fuga de Santa Clara é uma contínua prova da sua sabedoria e ousadia na vivência da sua vocação, da sua fé. Uma renúncia a tudo que lhe seria mais fácil, e mais cômodo, para a realização de sua ânsia de felicidade apenas para esse tempo, para essa vida.
Muitas eram as jovens que tinham seu desejo de entrega a Cristo respeitado pela família, e inclusive recebiam seu dote para a construção de mosteiros e hospitais, e alegravam os pais tornando-se santas abadessas, mas Clara foi mais longe, alguém que trilhou um caminho novo.
Deixando para atrás os privilégios da alta hierarquia social para se fazer dileta esposa de Cristo, tornou-se pequenina, porque se viu chamada a viver um novo carisma que a igualava ao Cristo pobre, que vivia totalmente entregue aos cuidados do Pai e que tudo "suportou pela redenção do gênero humano" (4CtIn).
Atualizada em 13/10/2025




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