Consagração de Santa Clara


Porciúncula: onde Santa Clara foi consagrada
 Igreja da Porciúncula no interior da basílica de Santa Maria Maior (Assis/Itália).

Após a fuga da casa paterna, estando tudo combinado, Clara é escoltada por frades até a igrejinha da Porciúncula onde, juntamente com os demais, São Francisco a aguarda; diante do altar ele lhe corta os longos cabelos loiros. A jovem Clara despe o rico vestido secular e recebe a veste da penitência em sinal de total pertença a Deus e renúncia ao mundo, tornando-se um novo membro do movimento mendicante.  

Dada a urgência da situação, para evitar qualquer suspeita de desonra moral, é o próprio Francisco que, como representante legal da Igreja, recebe em lugar do bispo (com certeza sob a autorização deste) as promessas da virgem Clara de uma perfeita observância do Evangelho numa vida sem nada de próprio e em castidade; sendo a primeira mulher a abraçar o carisma franciscano até então unicamente masculino. 

Pintura da consagração de Santa Clara
Consagração de Clara nas mãos de Francisco. Obra de J. Benlliure. 

Logo depois do rito da consagração Clara é levada a capela de São Paulo das Abadessas, pertencente as monjas beneditinas, a quase uma hora de caminhada fora dos muros de Assis; mosteiro este que contava com a proteção papal.  Entre as demais monjas, Clara aguarda a reação dos familiares, o que não se faz tardar, pois lhes é inadmissível (ao menos aos homens de sua linhagem) permitir a uma jovem de seu nível social que opte por viver como pobre.

Acostumados a  enfrentar rebeldes e a vencer batalhas, os cavaleiros da família Favarone (tios e primos, o pai estava em alguma cruzada ou já era falecido) não se conformam com a fuga premeditada de Clara e, logo descoberto o seu paradeiro, seguem em seu encalço, pois querem-na de volta. Invadem o mosteiro beneditino, sob risco de excomunhão, para fazê-la regressar ao lar mesmo contra sua vontade.

Madura em sua decisão a jovem não se deixa persuadir pelos seus argumentos, nada a faz mudar de ideia. Quando ameaçam tirá-la da clausura fazendo uso da força, Clara agarra-se a toalha do altar e descobre a cabeça, mostrando os cabelos cortados. Diante do Sacrário revela de onde vem sua força, não pertence mais à sua família, é uma consagrada ao Senhor. Indignados, mas vencidos pela circunstância, a deixam ficar.

Seguido a fuga Clara faz como que um itinerário formativo, não demorando-se muito em cada lugar, sendo levada por Francisco e seus Irmãos de uma 'instituição religiosa' para outra: do mosteiro beneditino, com Regra e disciplina hierárquica bem estabelecida, depois para uma casa de consagradas leigas, com residência junto a uma capela: 

"Depois, São Francisco, Frei Filipe e Frei Bernardo levaram-na à igreja de Santo Ângelo de Panço, onde ficou pouco tempo e foi levada à igreja de São Damião, onde o Senhor colocou mais Irmãs sob sua direção" (Relato da 12ª testemunha do Processo de Canonização - Beatriz de Favarone, irmã carnal de Santa Clara, que a seguiu na vocação) - ProcC12Ts.

Após anos de vivência em São Damião, Santa Clara revela toda sua gratidão a Deus pela graça do seu chamado no seu Testamento espiritual: "Entre outros benefícios que temos recebido e ainda recebemos diariamente da generosidade do Pai de toda misericórdia e pelos quais mais temos que agradecer ao glorioso Pai de Cristo, está a nossa vocação que, quanto maior e mais perfeita, mais a Ele é devida. Por isso diz o Apóstolo: Reconhece a tua vocação" (TestCl).   

Todo o batizado é um consagrado a Deus, e deve viver em conformidade com seus mandamentos pois isso resulta em bênção para ele próprio; render-lhe glórias é um dever de amor filial pela vida que recebeu. A entrega da existência mediante o chamado vocacional é uma nova graça. "Com que solicitude, então, com que zelo da mente e do corpo devemos observar o que foi mandado por Deus e por nosso pai, para restituir o talento multiplicado, com a colaboração do Senhor!" (TestCl).

Santa Clara e a oração comunitária
Coro antigo do Mosteiro de São Damião - local da oração comunitária 

Ao longo de toda a sua vida Clara deixou muito evidente que não buscou a Altíssima Pobreza em razão de se sentir obrigada a retribuir as graças divinas, surpreendeu pela ousadia, deu-se o direito de servir plenamente a Deus, consagrando sua vida como quem devolve ao Benfeitor o dom recebido. E o faz com coragem e genrosidade. Não impondo condições nem limites. Tem São Francisco como seta que lhe indica o Espelho da sua existência: Jesus Cristo.

Atualizada em 14/02/2025.

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