Todo cristão é chamado a ser contemplativo, ou seja, a ver os acontecimentos da vida pelos 'olhos' da fé. É buscar os sinais de Deus na Criação e também nos fatos corriqueiros do cotidiano, é um manter-se em permanente comunicação com o Divino, e isso parte de uma opção: do colocar-se no seu devido lugar, como criatura diante do Criador, sem abrir mão do seu protagonismo enquanto instrumento transformador do contexto (realidade) em que está inserido (a).
A grande alegria de Santa Clara nos seus escritos se dá com a escolha de Santa Inês de Praga (da Boêmia) em se fazer Irmã Pobre (Clarissa), abrindo mão do matrimônio com um imperador para tornar-se esposa do Rei dos reis, algo que ganhou repercussão em toda a Europa. "Disso posso exultar tanto eu mesma como todos os que prestam serviço a Jesus Cristo ou desejam fazê-lo" (1CtIn).
Tal escolha tem suas exigências e precisa partir de uma decisão sólida porque logo nos pedirá perseverança para nadar contra a corrente das facilidades e conveniências do mundo que contradizem os valores do Reino. Viver as promessas do Batismo e assumi-las com maturidade tem preço alto, pois nos leva, muitas vezes, a ir contra nossos instintos e inclinações naturais, nem sempre favoráveis ao amor.
É certo que os não chamados a uma tão elevada consagração, como Santa Inês, ficam impedidos de vivenciar tal experiência com tamanha radicalidade, mas nem por isso devem distanciar-se de Jesus e de sua presença em seu dia a dia. Tê-Lo no centro da vida faz nascer uma natural ânsia de encontro com o Divino levando a uma participação mais ativa na Santa Missa e nos sacramentos. O que gera uma santificação dos costumes e das escolhas.
Para ter a centralidade da vida em Cristo o primeiro ensinamento de Santa Clara está na fiel vivência da Palavra de Deus; pela Sagrada Escritura ela norteia todo seu modo de agir a começar pela pobreza. Exigência esta que vai além do material, começa no confiar-se inteiramente ao amor e a sabedoria do Pai, sabendo acolher tudo (o que nos agrada e o que nos desagrada), em generosa obediência filial.
O não apegar-se aos bens materiais é um passo importante para quem quer tornar-se um autêntico seguidor de Jesus, que se fez pobre para nos enriquecer, E complementa o ideal franciscano de não apropriar-se de nada, acolhendo a transitoriedade de tudo que pertence ao tempo. Pode se ter o necessário para viver com modesto conforto, mas saber partilhar com os mais necessitados o que nos sobra favorece a fraternidade.
"Ó piedosa pobreza, que o Senhor Jesus Cristo dignou-se abraçar acima de tudo, ele que regia e rege o céu e a terra, ele que disse e tudo foi feito!" (1CtIn).
"Creio firmemente que sabeis que o Reino dos Céus não é prometido senão aos pobres, porque, quando se ama uma coisa temporal, perde-se o fruto da caridade. Sabeis que não se pode servir a Deus e às riquezas, porque ou se ama a um e odeia às outras, ou serve-se a Deus e desprezam-se as riquezas" (1CtIn).
Quando não se tem bens materiais para doar aos outros, pode se dar algo ainda mais precioso, como o tempo. Colocar-se a serviço dos mais necessitados nos qualifica como verdadeiros filhos de Deus, que não julgam o porquê das fraquezas alheias, mas se colocam a disposição para auxiliar doentes do corpo e da alma, sem fazer distinção de pessoas, sendo atento (a) as necessidades familiares e/ou engajando-se em alguma pastoral ou voluntariado.
Dar a si mesmo ao outro (colocar os dons a serviço e ao bem do próximo), sem visar lucros (neste mundo) é uma manifestação de riqueza de valores e de fidelidade na vivência do discipulado cristão, algo que exige amor, disponibilidade e principalmente humildade, pois nos coloca na posição de servo e não de mestre, em último e não em primero lugar (segundo a lógica humana) algo que a sociedade moderna condena (e combate!),
Sem sair da clausura (interior do mosteiro) Santa Clara colocava-se a disposição para os serviços mais humildes, principalmente cuidando das Irmãs doentes: "servia-as e lhes lavava os pés e derramava água em suas mãos; e algumas vezes lavava as cadeiras das enfermas" (ProcC-1Test); para tal generosidade a pessoa precisa estar despojada de seu excessivo amor próprio e preconceitos, e isso é pobreza de espírito.
E essa é a primeira forma de pobreza que se necessita para a vivência do santo Evangelho, que tem por fundamento o amor a Deus sobre todas as coisas e ao próximo (amar como Jesus nos amou!) e isso parte de algo essencial que Santa Clara elogia em Santa Inês, uma opção feita "com toda a alma e com todo o afeto do coração" (1CtIn), porque sem amor não há fidelidade, nem amizade sincera.
A grande força para uma vida evangélica está na oração, nela se vive o encontro pessoal e profundo com Jesus e se obtém a graça do esvaziamento de si mesmo que gera uma maior conformidade com o Divino, que não faz distinção entre bons e maus, nem entre justos e injustos, ama a todos igualmente e este modo de ser de Deus não poucas vezes provoca crises de fé e perturba nossa esperança.
Somente uma comparação diária (em momentos de oração e reflexão) sobre nossas atitudes e opções com os ensinamentos do Evangelho, pode nos fazer crescer, pouco a pouco, nas vias que Santa Clara aponta a Santa Inês para uma vigilância atenta que resulta numa maturidade espiritual no seguimento de Jesus: "são a humildade, a força da fé e os braços da pobreza" (3CtIn). Por elas se chega a conformidade com o Crucificado.
A solidificação da caminhada através da oração, escuta e vivência da Palavra de Deus, da prática contínua das virtudes com o conhecimento de si mesmo e de Jesus leva a uma melhor compreensão do que se busca e do que se deseja: ser uma pessoa autenticamente cristã, confirmando com o testemunho de vida o nosso Batismo, e isto trará desafios cotidianos, pois seremos tentados a não seguir "pelo caminho duro e pela porta estreita" (1CtIn).
Por isso devemos seguir com especial atenção e tornar bem pessoal esse conselho de Santa Clara dado a Santa Inês: "Não perca de vista seu ponto de partida, conserve o que você tem, faça o que está fazendo e não o deixe, mas, em rápida corrida, com passo ligeiro e pé seguro, de modo que seus passos nem recolham a poeira, confiante e alegre, avance com cuidado pelo caminho da bem-aventurança" (2CtIn).
Neste crescimento contínuo, fruto da graça e da perseverança, vamos também aprofundando nossa relação de fé e amor com a Trindade e assim aprendemos a silenciar diante de Jesus, principalmente o Eucarístico; depois do louvor, das súplicas e intercessões o coração, os ouvidos e os lábios vão se colocando em serena escuta; cessam-se os ruídos interiores, dá-se então a contemplação. É uma troca de amor silenciosa.
Faz-se necessário se colocar inteiramente na presença do Senhor, sem temer o silêncio, deixando-se ser olhada (o). É assim que Santa Clara nos instrui, através de sua terceira carta a Santa Inês: "Ponha a mente no espelho da eternidade, coloque a alma no esplendor da glória. Ponha o coração na figura da substância divina e transforme-se inteira, pela contemplação, na imagem da divindade" (3CtIn).
Como uma mestra experiente neste assunto, Santa Clara como que vai detalhando seu itinerário espiritual a Santa Inês, guiando-a passo a passo, tendo a vida do Deus humanado como seu referencial; e na quarta carta lhe evidencia que Jesus é aquele no qual ela se reflete e se restaura pela contemplação, "pois é o esplendor da glória eterna, o brilho da luz perpétua e o espelho sem mancha" (4CtIn).
"Preste atenção no princípio do espelho: a pobreza daquele que, envolto em panos, foi posto no presépio! Admirável humildade, estupenda pobreza! O Rei dos anjos repousa numa manjedoura. No meio do espelho, considere a humildade, ou pelo menos a bem-aventurada pobreza, as fadigas sem conta e as penas que suportou pela redenção do gênero humano.
E, no fim desse mesmo espelho, contemple a caridade inefável com que quis padecer no lenho da cruz e nela morrer a morte mais vergonhosa" (4CtIn).
Nestes três degraus ou três etapas, em que contempla a humanidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Santa Clara nos ensina como penetrar no mistério da nossa redenção pela contemplação de sua vida e morte de cruz, conformando-nos aos seus anseios de salvação.
Atualizada em: 11/02/2025.
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